O ser humano é movido por necessidades e vontades, algumas fundamentais para a sobrevivência, como se alimentar, matar a sede, proteger o corpo e ter um abrigo para se defender do frio e da chuva. Mas também é movido por outros desejos, que em geral envolvem a aquisição de coisas materiais que complementam sua subsistência e fortalecem seu convívio social. Até aí, tudo certo.
O problema surge quando as pessoas perdem o freio diante de promoções ou tomam decisões impulsivas, sem pensar nos impactos que elas terão em suas finanças. A falta de controle, nos casos mais graves, pode se transformar em uma doença chamada oniomania, que gera efeitos negativos em todas as esferas da vida. Essa enfermidade é caracterizada por um comportamento compulsivo em relação às compras.
Mas por que isso acontece e como encontrar o equilíbrio nessas situações? É o que perguntamos à psicóloga e mestre em Psiquiatria Tatiana Filomensky, especialista em compradores compulsivos no Pro-Amiti, ambulatório dedicado a estudos e tratamento de transtornos do impulso no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. “Essa é uma doença que nem sempre é diagnosticada, mas que afeta profundamente a vida das pessoas que convivem com ela”, alerta a especialista.
O transtorno do impulso, segundo Tatiana Filomensky, é uma enfermidade psiquiátrica que se desenvolve na fase adulta e que pode ser intensificada pela sociedade de consumo. Estimuladas pela mídia e pelo imediatismo, muitas pessoas desejam mais do que precisam ou podem ter, e não conseguem se controlar, gastando desenfreadamente.
O apelo ao consumismo vem por meio do bombardeio de ofertas e novidades nas redes sociais, gôndolas de supermercados, mensagens no celular, sites de notícias, vitrines de lojas físicas e online. Esse redemoinho é movido pela sensação de empoderamento e conquista de status trazida pelo ato de comprar, levando muitas pessoas a fazerem isso compulsivamente. De acordo com a psiquiatra, o distúrbio afeta cerca de 5% da população mundial.
Ele é tão relevante que é alvo de uma série de estudos e pesquisas que tentam mapear sua origem, consequências e gatilhos. O fator genético, de acordo com a especialista, pode ser um desses gatilhos. “Indivíduos que têm famílias com histórico de comportamentos impulsivos e outras dependências, como a química, podem ser mais vulneráveis."
Outro fator importante é a facilidade no acesso ao crédito. Mesmo que você não tenha dinheiro em mãos, pode levar o produto para casa parcelando-o em muitas vezes ou adiando o pagamento para uma data futura. “É preciso ter maturidade psíquica para lidar com essas situações e se colocar no controle”, reforça Tatiana.
Veja algumas características comuns em pessoas que têm dificuldade de se controlar e acabam tomando decisões por impulso:
O Pro-Amiti preparou um questionário para ajudar as pessoas a identificarem sinais de alerta do transtorno de compras. Responda sinceramente às perguntas abaixo:
# Você tem preocupação excessiva com compras?
# Você muitas vezes acaba perdendo o controle e comprando mais do que devia ou podia?
# Você percebeu um aumento progressivo do volume de compras e nas suas despesas?
# Você já tentou e não conseguiu reduzir ou controlar as compras?
# Você percebe se faz compras como uma forma de aliviar a angústia, tristeza ou outra emoção negativa?
# Você mente para encobrir o seu descontrole e as quantias que gastou com compras?
# Você tem ou teve prejuízos sociais, profissionais ou familiares em função das compras?
# Você tem problemas financeiros causados por compras?
# Você já se envolveu com roubo, falsificação, emissão de cheques sem fundos, ou outros atos ilegais para poder comprar ou pagar dívidas?
Se suas respostas forem afirmativas para mais de cinco perguntas, isso pode indicar uma inclinação ao desenvolvimento do distúrbio de compras compulsivas. Neste caso, o mais indicado seria procurar ajuda profissional para conseguir frear a situação, buscando hábitos mais saudáveis para sua saúde financeira e mental.
Se você sofre com comportamentos consumistas ou compulsivos, ou se quer ajudar alguém a enfrentar o problema, é importante entender os principais gatilhos de consumo, ou seja, aquelas situações que fazem com que as pessoas comprem por impulso ou em excesso, sem pensar sobre a real necessidade daquele item ou serviço ou nas consequências do gasto para as suas finanças.
Ofertas, promoções e liquidações são alguns desses gatilhos, principalmente, porque são válidas por pouco tempo, trazendo o senso de urgência. Movidos pelo desejo de aproveitar um bom desconto ou pelo medo de perder uma oportunidade, acabamos comprando sem planejamento ou controle. Por isso, antes de ceder ao impulso, pense duas vezes. Se você não precisa mesmo daquele produto, vale a pena deixar a promoção passar.
Outro gatilho comum está relacionado ao parcelamento ou ao uso do cartão de crédito. Isso porque, para muitas pessoas, o acesso ao crédito passa a sensação de que o dinheiro é infinito. Mas a verdade é que, ao assumir muitas parcelas, podemos acabar entrando em uma bola de neve de dívidas. Para resistir à tentação, o melhor é deixar o cartão de crédito guardado em casa. Usando apenas o débito, fica mais fácil ter mais controle sobre os gastos.
Existem, ainda, outros artifícios que influenciam a decisão de compra de um produto ou serviço. A eterna busca pela novidade, ou por possuir o melhor produto da categoria, faz com que muitas pessoas descartem algo que ainda é bom, simplesmente porque o mercado já lançou um novo modelo. Isso é especialmente verdade no mercado de eletrônicos. Por isso, antes de comprar um celular novo, reflita: a quantidade de recursos e novas funcionalidades serão realmente relevantes para você?
Por fim, muitas compras são feitas para tentar compensar sentimentos ruins, como a tristeza ou angústia. De fato, o ato de consumir libera substâncias químicas no cérebro, gerando a sensação de prazer. Porém, essa sensação passa rápido e não é, necessariamente, construtiva.
Nesses casos, a dica é respirar fundo, convidar um amigo ou amiga para um café e conversar sobre o que você está sentindo. Caminhar, alongar no parque, andar de bicicleta ou fazer outras atividades físicas, culturais e artísticas ajuda a distrair a mente, trazendo sensações positivas.
Independente do tipo de gatilho de consumo, antes de adquirir algo, pratique a compra consciente ao se perguntar: eu preciso mesmo disso agora? Eu posso pagar por isso? Isso vai trazer algum benefício real para minha vida ou trabalho? Na dúvida, o melhor é não comprar e esperar até o dia seguinte, para avaliar melhor a situação.
Quem gere as finanças por impulso tem dificuldades para manter um planejamento financeiro. Em geral, pauta sua necessidade pela emoção e não pela razão, ou seja, adquire bens e coisas que não são fundamentais para sua sobrevivência, tampouco para a de sua família.
O impulsivo acredita que irá conseguir pagar suas compras, mesmo que tenha feito vários parcelamentos seguidos no cartão de crédito e contratado outros tipos de empréstimos. É comum que ele acabe se complicando para pagar os valores devidos e procure novas formas de crédito, transformando as dívidas em uma bola de neve que tende a crescer.
“O indivíduo endividado, às vezes, esconde a situação da família e dos amigos, sente-se pressionado pela sua condição, desenvolve um quadro de ansiedade e está sempre irritado. Todos esses ingredientes são gatilhos para o desenvolvimento de depressão”, alerta a dra. Tatiana Filomensky.
“A educação financeira é uma parte importante do tratamento, mas é necessário trabalhar as questões emocionais que envolvem as compras compulsivas para depois tratar as questões mais racionais, como as finanças”, diz a especialista. Veja algumas dicas de comportamentos, trazidas por ela, que podem ajudar a inibir o impulso de consumo: